Um dos fenômenos mais
intrigantes da natureza é o fato de cada ser vivo provir de outro, de que herda
a forma, as características e a estrutura. Assim, cada microrganismo, planta ou
animal só produz indivíduos de sua espécie e não de outra.
Genética é a ciência
cujo objeto é a herança biológica, isto é, a transmissão dos caracteres
morfológicos, estruturais, fisiológicos, bioquímicos e até de comportamento de
uma para outra geração de seres vivos de uma espécie. Dada a íntima relação que
mantém com outras áreas do conhecimento, a genética é uma ciência
multidisciplinar.
Seu método é
basicamente o mesmo das demais ciências experimentais: a observação e a
experimentação, com vasta aplicação de técnicas tomadas de empréstimo à
química, à matemática, à estatística, à física, à microbiologia e demais
ciências.
Subdivisões
da genética
A genética molecular
estuda a natureza do material e dos fenômenos genéticos ao nível químico,
enquanto a citogenética se ocupa dos fundamentos citológicos da hereditariedade,
especialmente da observação dos cromossomos ao microscópio. No plano da
evolução de cada espécie, as mudanças que ocorrem em grandes massas de
indivíduos e determinam a substituição de uns caracteres por outros ao longo do
tempo constituem a área de pesquisa da genética de populações. No que se refere
ao homem, constituiu-se a genética humana, de grande importância em medicina e
na antropologia.
A partir da década de
1970 surgiu uma nova disciplina, de possibilidades ilimitadas, que promete
revolucionar a agricultura e a pecuária, a medicina, a farmacologia e até a
produção industrial: a engenharia genética. Um dos procedimentos da engenharia
genética, por exemplo, consiste em introduzir, no equipamento hereditário das
bactérias, componentes alheios capazes de produzir, a baixo custo e em grandes
quantidades, devido à alta velocidade de multiplicação das culturas
bacterianas, substâncias, fármacos e hormônios escassos ou dispendiosos.
Princípios
básicos
Um caráter biológico é
todo aspecto qualitativo (como cor dos olhos, forma da boca etc.) ou
quantitativo (comprimento de uma pata, envergadura das asas) que faz parte da
forma ou da estrutura dos seres vivos e que é transmitido de geração a geração.
As células que compõem
a maioria dos organismos vivos contêm, em sua parte central, um corpúsculo
arredondado denominado núcleo, em cujo interior se encontra o material
genético, o ácido desoxirribonucléico (ADN). No momento em que a célula se
divide, essa substância se individualiza numa série de estruturas microscópicas
em forma de bastonetes que recebem o nome de cromossomos.
Cada unidade de
informação hereditária presente no cromossomo denomina-se gene e será
responsável pela produção de determinado caráter biológico. Nesse contexto
deve-se também situar o conceito de alelo, gene que tem mais de uma
possibilidade de expressão nos descendentes.
Os alelos são,
portanto, estados diferentes de uma mesma unidade genética. Os genes que
determinam o fator Rh do sangue, por exemplo, são os alelos R e r. Chama-se
homozigoto o indíviduo que apresenta em seu genótipo um par de alelos idênticos
(RR, rr), e heterozigoto aquele que possui alelos diferentes (Rr).
O fato de um caráter
manifestar-se ou não depende de muitos fatores e, assim, nem todos os genes
darão origem a uma característica evidente no indivíduo. O conjunto das
potencialidades genéticas de um organismo é seu genótipo, e o conjunto dos
caracteres plenamente manifestos é seu fenótipo. Nos seres com reprodução
sexuada, o novo indivíduo herda um jogo de cromossomos proveniente do pai e
outro da mãe, razão pela qual cada caráter virá regido por dois genes, cada um
situado no correspondente cromossomo, transmitido por genitor e genitora.
Pode acontecer que um
mesmo caráter apresente certa variação conforme seja produzido pelo gene
paterno ou pelo materno. Se um dos genes tiver predominância sobre o outro,
manifestará sua característica biológica em detrimento daquela do segundo.
Diz-se então que o caráter manifesto é dominante e o do outro genitor,
recessivo.
Se os dois tiverem a
mesma capacidade de manifestar o aspecto por eles regulado, trata-se de um
fenômeno de co-dominância e o caráter resulta intermediário em relação aos dos
pais. Assim, por exemplo, a co-dominância manifesta-se em plantas, como a
maravilha (Mirabilis jalapa), em que o cruzamento de dois indivíduos puros, um
vermelho e um branco, gera descendentes cor-de-rosa.
Uma linhagem pura é
aquela em que um determinado caráter se manifesta sem variações, de geração em
geração. Em caso contrário, diz-se que a linhagem é híbrida, e o caráter varia
segundo os princípios ou leis de Mendel.
Resumo
histórico
Embora desde a
antiguidade filósofos, pensadores e poetas tenham refletido sobre a influência
da herança nos seres vivos, o tratamento científico e rigoroso da questão só
ocorreu há relativamente pouco tempo. Em sua teoria da evolução, Charles Darwin
já reconhecia a importância da transmissão dos então chamados "fatores
hereditários" na modificação dos organismos, mas foi o monge austríaco
Gregor Mendel que estudou com rigor esse fenômeno e descobriu as leis que lhe
tomaram o nome.
Apesar de terem sido
expostas num trabalho publicado em 1866, as leis de Mendel passaram
despercebidas para a ciência até que, no começo do século XX, foram
redescobertas, de forma independente, por três cientistas: o holandês Hugo de
Vries, o alemão Carl Erich Correns e o austríaco Erich Tschermak. Em 1902, o
americano Walter Sutton descobriu que os fatores hereditários localizavam-se
nos cromossomos das células.
Vários anos mais tarde,
em 1908, o matemático inglês Godfrey H. Hardy e o médico alemão Wilhelm
Weinberg formularam independentemente as bases matemáticas para o estudo da
herança nas populações, conhecidas como lei de Hardy-Weinberg.
Um importante avanço no
terreno experimental ocorreu quando o americano Thomas Hunt Morgan começou a
utilizar, em suas pesquisas genéticas, a mosca-do-vinagre (Drosophila
melanogaster), cujos caracteres hereditários podem ser facilmente observados e
só tem quatro pares de cromossomos por célula. Morgan demonstrou que
determinados caracteres não são transmitidos de forma independente, e sim
conjunta, em virtude da proximidade dos genes correspondentes no cromossomo.
Na década de 1930,
George W. Beadle e Edward L. Tatum descobriram que os genes têm influência
direta na produção de enzimas, proteínas que facilitam as reações químicas nos
organismos, e Oswald T. Avery provou que o ADN era o material genético. A
estrutura molecular dessa substância, base química da hereditariedade, foi
pesquisada por James D. Watson e Francis H. C. Crick, e logo se identificou o
mecanismo pelo qual o ácido nucléico dirige a função celular para sintetizar as
proteínas e enzimas das quais dependerá a atualização dos caracteres
biológicos.
A informação que rege a
seqüência dos aminoácidos, compostos que se unem em longas cadeias para
constituir as proteínas, está codificada no ADN de maneira precisa, no que
se conhece como código genético. Foram necessários muitos anos de trabalho, de
várias equipes de estudiosos de diversas nacionalidades antes que se entendesse
o código genético. A atuação dos genes e o modo como sua atividade é regulada,
de acordo com as necessidades da célula em cada instante, começaram a ser
compreendidas a partir dos estudos dos bioquímicos franceses François Jacob e
Jacques Monod, no começo da década de 1960.
Projeto
Genoma Humano
Cientistas de vários
países começaram a desenvolver, em 1989, o Projeto Genoma Humano, patrocinado
pelo Instituto Nacional de Saúde e pelo Departamento de Energia americanos. O
objetivo do projeto era identificar, até o ano 2005, cada um dos
aproximadamente cem mil genes e três bilhões de pares de nucleotídeos que
compõem uma molécula de ADN. O Prêmio Nobel de fisiologia e medicina James D.
Watson, descobridor da estrutura em hélice dupla do ADN, assumiu inicialmente a
direção do projeto.
O trabalho de
identificação consistia no mapeamento do código genético, isto é, no registro
da posição de cada um dos genes nos 23 pares de cromossomos humanos, e em seu
seqüenciamento, ou determinação da ordem precisa de ocorrência dos nucleotídeos
que compõem cada gene. Esperava-se encontrar informações importantes em menos
de dez por cento do genoma.
Os responsáveis pelo
projeto acreditavam que a descoberta da posição de cada gene, além de sua
composição e função no organismo, seria a chave para o diagnóstico e a cura de
muitas doenças, como câncer, obesidade, diabetes, doenças auto-imunes e
hipertensão. Os críticos do projeto, no entanto, alertavam para o perigo do uso
indevido das informações genéticas. Candidatos a emprego, por exemplo, poderiam
ser recusados com base em testes capazes de revelar predisposição genética para
certas doenças, como o alcoolismo.
Leis
de Mendel
Por volta de 1860,
Gregor Mendel experimentou diversos cruzamentos entre pés de ervilha da
variedade Pisum sativum, que apresentavam diferenças de caracteres facilmente
observáveis, como a superfície lisa ou rugosa das sementes e sua cor verde ou
amarela.
Determinou, em seguida,
a proporção de descendentes que herdavam um e outro caráter e acompanhou as
modificações dessa proporção ao longo de gerações sucessivas. Desse modo
descobriu as três leis que tomaram seu nome e serviram de base para o
desenvolvimento posterior da genética.
A primeira lei,
conhecida como a da uniformidade, mostra que, quando se cruzam dois indivíduos
originários de linhagens puras, os quais apresentam determinado caráter -- por
exemplo, cor dos olhos - diferente um do outro, os descendentes mostram uma
homogeneidade na característica estudada e todos herdam o caráter de um dos
genitores (fator dominante), enquanto que o do outro aparentemente se perde, ou
então apresentam um traço intermediário em relação aos traços de ambos os pais.
Neste último caso, diz-se que existe co-dominância.
A segunda lei, a da
segregação, demonstra que os fatores hereditários (genes) constituem unidades
independentes que passam de uma geração para outra sem sofrer nenhuma
alteração. Quando se cruzam entre si os descendentes obtidos do cruzamento
entre duas linhagens puras, observa-se que o caráter que não se manifestou -
recessivo - fica patente na segunda geração, na proporção de um quarto da
descendência, enquanto o caráter dominante ocorre em três quartos dos
descendentes.
Portanto, cada par de
genes que determinam certo caráter separa-se no processo de formação das
células reprodutoras e os fragmentos resultantes se combinam ao acaso. O
processo fica claro quando é representado num esquema gráfico. Chame-se A o
gene dominante e a o recessivo. Os sucessivos cruzamentos darão os seguintes
resultados:
Num cruzamento entre
descendentes do primeiro, ocorre uma nova transmissão de caracteres:
Por ser dominante, A se
manifestará em três quartos dos descendentes (basta que esteja presente um só
gene A), enquanto que, para que a se manifeste, o indivíduo deve ser portador
de dois genes a, o que reduz substancialmente as possibilidades de que esse
caráter apareça.
A terceira lei, a da
transmissão independente, dispõe que cada caráter é herdado independentemente
dos caracteres restantes. Para chegar a essa conclusão, Mendel cruzou plantas
que diferiam em dois caracteres (di-híbridos) e cujo genótipo era, por exemplo,
AaBb. Quando se formaram as células reprodutoras, originaram-se quatro tipos
distintos: AB, Ab, aB e ab, que se combinaram de todas as formas possíveis com
os mesmos tipos do outro indivíduo:
_________________________________________
AB Ab aB ab
_________________________________________
AB AABB AABb AaBB AaBb
_________________________________________
Ab AAbB AAbb AabB Aabb
_________________________________________
aB aABB aABb aaBB aaBb
_________________________________________
ab aAbB aAbb aabB aabb
_________________________________________
No total, obtêm-se 16
genótipos possíveis, que aparecem no quadro acima. Manifestarão o duplo caráter
A e B os seguintes: AABB, AABb, AaBB, AaBb, AAbB, AabB, aABB, aABb e aAbB, num
total de nove genótipos. O caráter dominante A com o recessivo b está em três
indivíduos: AAbb, Aabb e aAbB; o recessivo a e o dominante B em outros três:
aaBB, aaBb e aabB; e os recessivos a e b só aparecem em um, o aabb. A proporção
é, portanto, 9/3/3/1.
As leis de Mendel
cumprem-se em todos os seres vivos dotados de reprodução sexuada e nos quais se
formam células reprodutoras especiais. Em muitos casos, porém, as proporções
previstas segundo essas leis não ocorrem, em virtude da intervenção de uma
série de fatores que mascaram os resultados previstos. Assim, muitos caracteres
não dependem apenas de um par de genes, mas de dois ou mais, de forma que, para
que o caráter se torne patente e o produto final se elabore, é necessário que
todos os genes funcionem normalmente. Se algum deles sofrer alteração, a
proporção será afetada.
Muitas vezes, certos
caracteres não se transmitem de forma independente porque os genes que os
codificam estão próximos um do outro num mesmo cromossomo, no que se denomina
grupo de ligação. Dessa forma, por exemplo, se em estudos genéticos realizados
em espécimes da mosca-do-vinagre os alelos codificadores de caracteres como
"corpo negro" ou "asa curva" se encontrarem localizados no
mesmo par de cromossomos homólogos, caberia esperar que um espécime de corpo
negro apresentasse sempre asas curvas. Tal fenômeno, no entanto, não se produz,
por força do chamado crossing-over ou sobrecruzamento.
O crossing-over ocorre
no processo de divisão celular ou meiose quando dois fragmentos cromossômicos
(cromátides), cada um pertencente a um membro do mesmo par de cromossomos,
unem-se momentaneamente para mais tarde se romperem e permutarem fragmentos.
Nos casos em que se registram crossing-over, duas cromátides com genes AB e ab
passam a apresentar uma dotação genética da forma Ab e aB. Em geral, esse tipo
de inter-relação constitui o que se denomina recombinação genética.
Alelos
múltiplos e mutações
Nas experiências
genéticas observou-se que, nos alelos originais, pode produzir-se uma sucessão
de alterações ou mutações que originam os chamados alelos múltiplos. Nessas
ocasiões, um gene A pode produzir, por sucessão de mutações ao longo da
evolução de uma espécie, uma gradação de alelos aa, ab, ac e outros, com a
conseqüente possibilidade de emparelhamentos aaA, abA, acA. Em cada caso, a
expressão desses alelos depende do modelo de dominância que se estabelecer.
Nesse particular, as
mutações se associam às repentinas mudanças produzidas no fenótipo de um
espécime, originadas por modificações genotípicas e, conseqüentemente,
transmissíveis por hereditariedade. Entre as muitas modalidades de mutação cabe
citar as que produzem diminuição ou aumento da dotação cromossômica, as que
geram mudanças quantitativas num par e as que geram perdas de fragmentos
cromossômicos, ou deleções.
Hereditariedade
e sexo
O sexo de um indivíduo
é determinado pela existência de um par de cromossomos especiais denominados
cromossomos sexuais, que têm o mesmo aspecto e a mesma configuração na fêmea,
em que se representam como XX, e de morfologia distinta no macho, em que se
representam como XY. Os cromossomos X têm grande importância em genética, pois
a eles estão ligados alguns caracteres, como os que determinam o daltonismo
(defeito visual em que o indivíduo não distingue algumas cores) ou a hemofilia
(grave afecção caracterizada pela incapacidade do organismo para coagular o
sangue).
O gene que determina o
daltonismo é recessivo em relação ao gene normal. Como está ligado ao
cromossomo X, só provoca o daltonismo na mulher se ela tiver os dois genes
recessivos; já o homem (com um só cromossomo X) apresentará daltonismo sempre
que herdar o gene recessivo. Por isso, tal anomalia é oito vezes mais habitual
em homens do que em mulheres.
Genética
e medicina
Além do daltonismo e da
hemofilia, muitas outras alterações e doenças do ser humano têm origem
genética, razão pela qual o estudo dos mecanismos de transmissão hereditária
tem grande importância para a medicina.
O ser humano tem uma
dotação de 23 pares de cromossomos, cuja morfologia pode ser analisada pela
obtenção de microfotografias de preparados celulares em que os cromossomos
estejam individualizados e pela posterior ordenação dos pares cromossômicos
segundo o tamanho, a forma etc.
Desse modo chega-se aos
chamados cariótipos, com que é possível diagnosticar certas doenças resultantes
de alterações cromossômicas, como a síndrome de Down, também denominada
mongolismo e trissomia 21, por originar-se da presença de um cromossomo extra
no par número 21.
Entre as principais
afecções causadas por alterações genéticas estão a cegueira noturna ou
hemeralopia; o albinismo (ausência de pigmentação, com pêlos e pele
completamente brancos, além da íris vermelha em virtude do sangue que a
irriga); vários tipos de deficiência mental, muitas vezes resultantes de
transtornos genéticos do metabolismo, que determinam danos irreparáveis no
cérebro; surdo-mudez e muitas malformações como a polidactilia (existência de
mais de cinco dedos em cada extremidade) ou a sindactilia (afecção em que os
dedos se apresentam soldados entre si).
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Profº. Esp. Juarez Souza Magnus
Licenciatura Plena em Ciências –Habilitação: Biologia
Biólogo / CRBio-03 Reg. Nº 69.544/03-D
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional